terça-feira, 2 de abril de 2013



       
Gente de fibra – Shina Aoki

      Um dia desses, o Professor Rizzo do Departamento de Esportes me ligou sugerindo que entrevistasse a senhora Shina Aoki, que joga gateball e vai completar 100 anos de existência, em setembro próximo.
Gostei da ideia e lá fui eu, e passei uma tarde boa vendo fotos antigas e, ouvindo a dona Shina e sua filha Toshiko sobre coisas do passado.
Dona Shina nasceu em 23 de setembro de 1913 no Vilarejo de Fuki, na Província de Aichi, ou Aichi Ken.
Seus pais eram lavradores humildes, que plantavam arroz e criavam o bicho da seda. Mas, seu avô, Man Emon Morita foi o Mandatário (equivalente a um Prefeito) e, pelos relevantes serviços prestados à comunidade foi homenageado pelo próprio Imperador Hiroito, com títulos e diplomas. E na localidade em que morou, tem uma estátua para a posteridade se lembrar dele.
Como os pais da menina Shina eram muito pobres, desde cedo foi levada à casa de um médico famoso perto de Nagoya, para aprender prendas domésticas. Durante seis anos, ela conviveu com essa família, e só estudou o Curso Primário Fundamental.
Lembrança boa que tem de sua juventude é a alegria de aprender a costurar “os quimonos” ou roupas no estilo oriental. Era tudo cerzido à mão, e era um gosto ver as peças prontas para vestir. Ela confeccionou muitos quimonos para crianças.


Em 1926, um irmão de dona Shina veio como imigrante para o Brasil, junto com dois primos.  Vieram para o Bairro da 2ª Aliança, onde começaram a criar bicho da seda. E em 1936, dona Shina já com 23 anos de idade, veio com a família, que era composta de pais e cinco filhos. Compraram um lote de terras na Secção do km. 27, num lugar chamado Cotovelo e continuaram com a criação do bicho da seda, cujos fios de seda estavam em alta na época.
 Na Segunda Aliança, passou a frequentar aulas de Corte e Costura, onde aprendeu a costurar roupas no estilo ocidental, como calças e camisas. Casou-se com o senhor Riichi Aoki, proveniente de Yamaguchi –Ken. Foi então morar na Nova Aliança, onde ficaria por mais ou menos 29 anos, criando porcos, gado e cultivando café. Sua vida foi totalmente dedicada ao trabalho duro da roça. Foi uma lavradora na essência da palavra. Com o casamento vieram os filhos: duas mulheres e um homem, hoje já adultos e independentes. Além desse filhos tem três netos e uma bisneta.
Quando os filhos precisaram frequentar o Colegial,  venderam o sítio e vieram morar aqui em Mirandópolis. Isso ocorreu há mais ou menos 48 anos atrás. Compraram umas datas  ali na Rua Anchieta. O local era um brejão, e os moradores plantavam verduras nos arredores. Hoje não dá nem para imaginar que, onde estão as instalações do antigo Posto Jóia e  onde existe o Pina Supermercados,  eram áreas ocupadas por casas de tábuas e hortas, que forneciam legumes e verduras para os moradores da cidade. Os consumidores tinham o hábito de ir lá comprar, diretamente na horta.
Morando na cidade, dona Shina que não conseguia ficar parada continuou a cuidar da terra, plantando árvores frutíferas, flores e legumes. Quando o sol estava muito quente, dona Shina se dedicava ao trabalho de artesanato, confeccionando blusas de lã, cujas encomendas eram sempre muitas.  Por anos e anos tricotou blusas e isso ajudou um pouco na renda familiar. O marido, seu Aoki trabalhava de carpinteiro e passou a construir casas.

Nos anos 50, o cunhado de dona Shina, o senhor Tokuichi Aoki instalou uma olaria num sítio, no Bairro Santa Lina. Fabricava tijolo, e o barro era amassado com a força motriz de animais, que rodavam em torno de um jirau.
A moda era construir casas de tijolos, mesmo porque a madeira estava rareando, com a derrubada indiscriminada das árvores que havia na região.

Os tijolos da Olaria do seu Aoki foram utilizados para construir o Hospital Santa Terezinha de Dr. Macoto Ono, o Cine São Jorge e dezenas de casas que ainda estão de pé servindo a comunidade.
Em 1983, os pais do nosso amigo Eduardo Sunada iniciaram uma atividade para ocupar as pessoas idosas, que estava muito em moda em várias partes do mundo. Era o gate ball, uma mistura de golfe e futebol, em que os jogadores têm que lançar bolinhas minúsculas dentro dos gates, ou traves de gol. Usam bastões e é necessário decorar os números dos adversários, e dos membros do próprio time.
Nos tempos áureos, havia cerca de trinta participantes, mas a maioria foi falecendo e hoje há dezesseis jogadores.

Inicialmente, jogavam todos os dias da semana, mas agora só o fazem três vezes por semana. Saem de casa de madrugada, às seis horas da manhã que é muito fresquinho e às dez estão de volta. As competições acontecem no campo do Kai Kan velho, nas proximidades do Hospital do Estado. Todos se empenham muito, para participar de campeonatos regionais, e a dona Shina já ganhou troféus nessas competições. A alegria de se reunir e jogar é complementada pelos lanches, que são degustados juntos. Dona Shina sempre capricha na culinária japonesa, porque quer preservar a tradição que herdou de seus pais.
Além dessa prática esportiva saudável, dona Shina cuida da horta, onde planta grande variedade de legumes e verduras, além de flores. Ela mesma põe a mão na terra, recolhe as folhas caídas e prepara o adubo orgânico, que é utilizado para fortalecer suas verduras. Ela passa os dias cavoucando a terra, capinando as ervas daninhas e adubando as plantinhas com adubo orgânico.
Ao final da entrevista, perguntei-lhe o segredo da vida longa (cem anos em setembro!). Tem uma saúde de ferro, não precisa de óculos para ler, anda normalmente e ainda capina na horta todos os dias! E ela me disse que a prática do gateball ajuda muito, não só pelo prazer de jogar, mas pela companhia dos  amigos com quem se reúne e degusta tanta comida saborosa. Disse também que deve ser pela comida saudável e saborosa que sua filha Toshiko  lhe prepara todos os dias.
Acho, porém que deve se acrescentar, além de tudo isso, sua atividade de lidar com a terra, plantar legumes, verduras  e flores e tomar sol diariamente.
Dona Shina Aoki, uma senhora que veio do Japão para ser lavradora e ama a terra como se fosse a extensão de seu corpo, que vai completar cem anos em breve, que enxerga claramente, ouve bem e está no juízo perfeito, é gente de fibra!

Mirandópolis, março de 2013.
kimie oku in crônicasde kimie.blogspot.com


Legenda:

1. Shina Aoki  em 2008
2. Chegada da família ao Brasil
3. Olaria no Bairro Santa Lina
4. Time de gateball

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