segunda-feira, 1 de abril de 2013



Grupo Escolar de Amandaba



Eu sei que não é mais assim que é chamada a Escolinha onde aportei em 1966, isto é, há quase meio século atrás.
Hoje é conhecida como a Escola Municipal de Educação Fundamental “Profª. Itelvina Ferreira”.
Nunca cogitei em escrever sobre determinada Escola, porque todas as escolas são iguais, e eu passei por uma meia dúzia delas na minha jornada de professora. Mas, resolvi escrever sobre esta escola em especial, atendendo à solicitação de uma ex-aluna, a Lourdes Brito, que como eu, curte saudades dos bons tempos vividos lá.
Para relatar a história dessa escola teria que pesquisar nos anais do arquivo escolar. No Google, só descobri que o Bairro Amandaba foi criado em 1944. E que em 1947, houve um Projeto de Lei (183/1947 da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) para aquisição de um imóvel, para a construção de uma escola.
A escola se localiza à esquerda da linha férrea NOB, na Estrada Municipal Tadaishi Hatori. Pelas informações correntes, o terreno do Bairro foi doado por Maria Trindade, que era uma proprietária de extensas terras na região. Essa senhora solicitou às autoridades de então que, o Bairro recebesse o nome de Amandaba, em homenagem a um bravo  índio, que era ancestral seu. E Amandaba ficou.
Vou tentar recordar os Diretores que por lá passaram, enquanto aí atuei. Inicialmente, foi o senhor Aristides Florindo, que mais tarde seria o Diretor da Escola Ebe Aurora. Quando cheguei, o senhor Horácio Coggo estava indo embora para sua terra, Birigui. Para a sua vaga, veio o senhor Amazílio Abrão, de quem eu lembro que era muito carinhoso com as crianças. Apesar da aparência diferente, era um homem gentil e muito atencioso, e cuidava pessoalmente dos pedidos de licença dos professores, quando necessárias.
         E aí, foi a vez de José Domingos Paschoal, cujos ensinamentos me influenciaram para a função de Coordenação de Ensino. Esse Professor, que mais tarde seria Supervisor e Delegado de Ensino de Andradina, foi o Diretor que me ensinou tudo, que apliquei na orientação aos professores mais tarde. Lembro que em Amandaba, nas horas-atividades, ele nos ensinou a planejar as aulas com objetivo claro e definido, ações e estratégias práticas de trabalho e técnicas de avaliação. Devo muito a esse homem, que foi também meu colega na Supervisão de Ensino. E lá na Delegacia de Andradina, me ensinou sobre a complicada Legislação de Ensino que compreende Decretos-Leis, Leis Complementares, Resoluções, Portarias, Comunicados e todas essas coisas, que dão um nó em minha cabeça. Era muito competente, minucioso e sobretudo, atencioso com os colegas de trabalho. Infelizmente, ele já não está mais entre nós. Tenho-lhe imensa saudade, misturada com respeito e gratidão.
          Bom, depois dele foi a vez do senhor Milton Pasin, que ficou pouco tempo. Depois, foi a colega Hilda dos Santos Barroso, que respondeu pela Direção um bom tempo, interinamente.
Quero relembrar os nomes dos colegas professores com quem convivi: Yussuf Hsain Alaby, com quem mais tarde trombaria na Escola Ebe Aurora, ele como Assistente de Direção e eu como Coordenadora de Ensino; Dinéia Leister, Aurelinda de Lima Ferreira, Deise Guiselini, Antonia Girotto, Alzira di Bernardo, Clair Lopes Cardozo, Aparecida dos Santos Cunha, Luzia Cunha dos Santos, Evanir Rossato, Yukuko Yokoyama, Maria Teresa Dias Marcos, Maria Zuleika Dias de Souza, Darcy Marize Rossato, Akemi Osaki, Satiko Osaki, Áurea Orciolli Cozin, Gabriel Tarcizzo Carbello, José Sanches, Itelvina Ferreira e tantos outros...
Mas, o que gostaria de relembrar mesmo, são os nomes dos alunos que lá passaram. Infelizmente, a gente acaba esquecendo quase todos, porque a cada ano era uma nova turma de 30 a 40 alunos. Mesmo vendo-os hoje, não sou capaz de reconhecê-los, porque naquela época eram crianças, e hoje são adultos que mudaram as feições. Entretanto, de vez em quando levo um susto com homens e mulheres que de repente, me abraçam na rua, sem que eu os reconheça... foram alunos meus há mais de 40 anos...
Amandaba era um lugarejo muito pobre, mas bem povoado. A população se dedicava à lavoura de café, algodão, granja e horticultura. No bairro distante uns 500 metros da Escola, havia umas casas de comércio, como a Venda do seu Adelar Gualberto Junqueira, do seu Manuel Português, do seu Alaby, o Bar do seu Kanamaru, o Açougue do Zezão... um campinho de bocha e uma capela construída pelo Padre Epifânio Ibanez, que existe até hoje. Havia e ainda está lá a pracinha. Havia também a extensão do Cartório de Registro Civil.
Amandaba tinha sido a precursora da cidade de Mirandópolis, com comércio forte e muitos lavradores que se dedicavam ao cultivo do café. Sua população chegou a superar à de Mirandópolis. A estação ferroviária denominada Machado de Mello, hoje totalmente abandonada, já foi palco de embarque de milhares de sacas de café produzidos nas fazendas do Lourencinho, do Lourenção, dos Pinhatta, dos Gottardi , dos Sugimoto e Hattori para o Porto de Santos. Tudo acabou com a crise do café.
No período que lá atuei, entre 1966 e 1976, já estava em decadência, mas havia uns remanescentes dos imigrantes japoneses, como os Ohi, Sekine, Sugimoto, Hattori, Shirakawa, os Kanamaru, alguns dos quais ainda permanecem lá.
Lembro que da linhagem Brito havia várias famílias, com numerosas crianças, muito arteiras e briguentas. Certa vez, uma professora não aguentou e deu uma reguada num dos moleques. No dia seguinte, os moleques anunciaram que viriam “Sete mulheres Brito para bater na professora”, que era pequenininha. E uma das colegas disse para a molecada: “Pode vir quente, que estamos fervendo” Era o tempo de Roberto Carlos, e suas lindas músicas...
Lembro-me do Natal Brito que tinha deficiência numa das pernas. Era tão arteiro, que um dia quebrou o braço. Sua mãe foi à escola pedir que o olhasse com atenção, por causa do braço quebrado. Durante o Recreio, eu o localizei batendo num coleguinha com o braço engessado...
Lembro-me de um garotão moreno, bonito, de dentes perfeitos, que um dia, ao ganhar a caneta esferográfica da Caixa Escolar (usava-se caneta só na 2ª série), ficou tão encantado, que rabiscou o próprio corpo, desenhando figuras até no rosto. Quando dei fé, lhe perguntei: “Samuel, você é índio? Índio é que se pinta assim.” E ele : “Sou, dona Kimie, minha avó foi pega no laço!”
Lembro também que ao iniciar o ano, sempre pedia para as crianças levarem a Certidão de Nascimento, para conferir os nomes e as datas de nascimento. Aproveitava para compor a história do próprio aluno, fazendo a ficha de identificação, com o nome, data de nascimento, sexo, filiação e lhes ensinava em Estudos Sociais, que cada indivíduo tinha sua história própria. A certa altura, descobri que um garoto tinha sido registrado como de sexo feminino. Chamei o pai e, lhe expliquei que teria que corrigir a certidão no Cartório. O pai sem recursos não conseguiria pagar e, então nós os professores nos cotizamos e pagamos a correção. Era um dos filhos do Lió, que hoje toca um Restaurante famoso no bairro.
Outra vez, uma das colegas resolveu fazer uma Feirinha de Ciências. E ela pediu aos meninos, entre outras coisas que levassem os diferentes ovos que conheciam.
A molecada se agitou e apareceu até com ovos moles de lagartixas... Quando ela lhes perguntou onde haviam conseguido, disseram que haviam espremido lagartixas...
Ainda lembro de três irmãos, acho que eram Fátima, Antonio e José que subiam na passagem de nível de trem, e ficavam espiando os carros de professores que passavam embaixo. Certa feita, ficaram olhando para nós e abanando a mão, distraídos e nós do carro gritando para que eles saíssem de cima dos trilhos, que o trem já vinha ali na curva. Foi por pouco que escaparam...
         Tínhamos classes lotadas de trinta alunos para mais, e era um barulho só. Havia classes no período da manhã e no período da tarde. As classes de 5ª a 8ª séries só foram instaladas em 1976 e funcionavam no período noturno.
As crianças eram muito pobres, e precisavam da ajuda da Caixa Escolar. Com a ajuda dos fazendeiros locais fazíamos um churrasco para engordar a Caixa, que precisava atender à maioria das crianças. Na primeira vez que fizemos essa promoção, um pai de aluno foi lá buscar a mesa que ele havia comprado. Na sua inocência, achou que poderia levá-la para casa. Custou para ele entender que a venda era simbólica...

Havia uma merenda pobre, porque o Estado não investia na alimentação das crianças. A molecada tinha birra da sopa de fubá com folhas de almeirão. Diziam: “Não sou filhote de louro prá comer papa de fubá!” Isso deixava a dona Maria merendeira muito aborrecida. Na hora do Recreio, o pátio ficava lotado de crianças, e o diretor Abrão tinha o costume de circular entre as crianças, ensinando-lhes a segurar a colher para tomar a sopa. Era muito, muito carinhoso.
Os serventes eram o senhor Alceu Ribeiro e seu Tonico Marques. O Tonico era meio birrento, mas o Alceu era pau para toda obra. Estava sempre contente e bem disposto a servir.
Assim era o Grupo Escolar de Amandaba. retirado do Bairro, onde os moleques se esbaldavam, brincavam de ciranda, de queima, de bola, de burquinha, de pega-pega e, aprendiam a ler, escrever e calcular. Assim, brincando, brincando, amadureceram e se tornaram cidadãos. Nessa escolinha rural, sem nenhum recurso, passaram tantos jovens que se tornaram trabalhadores e, estão espalhados por esse Brasil afora.
O Grupo Escolar de Amandaba tem um tesouro que outras escolas da cidade não possuem. São as dezenas de árvores, onde cantam pássaros de toda espécie.
Hoje, quase não há mais alunos, mas as árvores lá estão e os passarinhos também. Passar uma tarde nos bancos sob as árvores é um regalo, uma bênção de Deus...
E aí está, Lourdinha minha amiga, a história do nosso cantinho sagrado chamado Grupo Escolar de Amandaba.

Mirandópolis, março de 2013.
kimie oku in crônicas de kimie.blogspot.com

8 comentários:

  1. Quanta saudade desta escola, onde fui alfabetizado pela professora Itelvina no ano de 1965. Recentemente encontrei aqui em Londrina-Pr, o Sr. Alceu Ribeiro, com muita saúde e vitalidade e foi emocionante este encontro.

    Dirceu Quinelato.

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    1. Dirceu, eu também tenho muita saudade daqueles tempos duros, sem conforto, que nos estimulou a lutar para vencer. Às vezes, dá uma vontade imensa de reunir todos os ex-alunos e professores e reprisar os momentos que vivemos antigamente. Mas, sabe lá por onde andarão os meninos de Amandaba que passaram por nossas salas de aula...

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  2. Nossa, adorei Kaime, quantas saudades...

    Eu, Clóvis Vieira e meus irmãos, Yolanda Vieira e José Carlos Vieira, estudamos nessa escola... Eles de 73 até 77 e eu de 75 há 77... Na nossa época a diretora era Dona Hilda dos Santos Barroso, lembro também do seu Alceu que era servente na Escola... Lembro-me também de ele ser um pouco folgado, colocava os alunos para varrer o pátio... Um dia ele mandou meu irmão José Carlos varrer o pátio, meu irmão respondeu que não era pago para isso, seu Alceu correu atrás dele pelo pátio e como não conseguia alcança-lo atirou o rodo nas pernas dele e o levou para diretoria... Dona Hilda, quando ficou a par do ocorrido concordou que seu Alceu era quem deveria varrer o pátio mesmo e não os alunos... Como disciplina mandou meu irmão ler um livro na biblioteca da escola e dispensou-o... Eu adorava essa escola, umas das melhores merendas que já comi em escolas... Morávamos em Machado de Melo, na mesma rua morava o Natalzinho, em uma casa que pertencia ao Sr. Bibiano que cuidava da estão de trem... Natalzinho e meu irmão Raimundo Vieira eram como unha e carne... Lembro- me também de alguns dos Britos como do Finado Sr. Augusto, da Lurdes, do Paulo... Também lembro do Sr. Olegário e sua esposa Dona Maria, do Sr. Louro Prado e seus filhos, Zenaide, Soninha e Lourinho, Dona Hidálina e sua neta Neuza... Lembro também do policial Sr. Aldo, Vera uma moça negra que eu adorava e da Srª. Irone, que tinha uma perna amputado devido a picada de cobra... Na rua da igreja tinha uma praça linda... Em frente à casa que Sr. Augusto morava, tinha um parquinho que era a diversão da garotada... Quem cuidava desse parquinho era o pai do Fernandes e Chiquinho... Tinha também o sitio do Sr. Ovídio, que plantava cebola e sua Filha Iara...
    Que saudade desse lugar encantado de minha infância...
    Hoje moro em São Paulo, e se alguém desta época quiser entrar em contato comigo, deixo ai meu e-mail ; clovisvieira1967@hotmail.com e tel. 11 4614-2934 Cel. 97441-3465...

    Muito obrigado por deliciosas lembranças...

    Carinhosamente,

    Clóvis Vieira

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  3. Olá, sou filha da Darcy Marize Rossato, ela ficou muito feiiz quando eu li seu texto pra ela.
    Ela ainda não tem facebook e se você quiser responder e mandar um contato, por favor, mande no meu email (lcomitre@bol.com.br).
    Um abraço
    Larissa

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  4. Li essa maravilhosa matéria sobre o grupo escolar de Amandaba, e como saudosista que sou, entrei até em nostaugia.
    Parabéns a nobre professora Kimie, nos idos anos da década de 60 estudei nessa nobre escola.
    Lembro-me dos meus queridos mestres, Alzira di Bernado, Maria Tereza Dias, Marcos, esposa do Sr Lourenço que foi nosso patrão, Yussuf Hsain Alabi.
    Quanta saudade dos meus amiguinhos Paulo Brito, Claudio Marangoni, Luiz Golfeto,, Belarmino o Lolo, Duca e o Zeca filhos do Lorenção que era nosso patrão e muitos outros. O Tonico o Alceu que cuja filha era muito extrovertida chamada Solange.
    Sou Luiz Mendes, hoje Pastor Evangélico e conferencista nacional. Se alunos do nosso tempo quiser fazer contato comigo meu email. pastorluizmendes@pregandoaverdade.com.br

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  5. Que lembrança boa! Em 1974, fui aluno da professora Elza(Japonesa)que morava em Valparaíso. Era apaixonado pela filha da diretora "Adriana" (vivemos uma paquera, coisa de criança) Uma vez, Mário Shirakawa, Cidão e eu fugindo do seu Tônico pulamos um muro e caímos em cima de um pé de mamão que ele cuidava com muito carinho, o mesmo quebrou e não sei se ele descobriu que fomos nós. Saudades da Professora Neusa de ciências no 2 ano, da professora Olívia (Brava mais amiga)das brincadeiras "da corrente pega gente que tem medo sai da frente", da minha amiga Márcia, filha do seu Olvídeo, da Lurdes do seu Leopoldo, entre tantos outros... Saudades!!

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  6. Lembro, da eleição que ganhamos;nossa chapa se chamava " O Progresso"

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  7. Olá Kimie, tudo bem?
    Nossa que emocionante ler esta sua crônica!
    Eu sou Roberto Shimoda, estudei no Grupo Escolar de Amandaba nos anos 1957 a1960.Me lembro muito bem do Professor Aristides Florindo que dava um visto com a nota nas páginas dos livros após realizarmos a leitura!Guardei por muito tempo estes livros!
    Concluí o curso de Engenharia Civil na PUC de Campinas SP e hoje sou servidor público da Cidade de São Paulo na carreira de Engenheiro Civil.
    Gratidão a todos os professores desta escola que me deram os primeiros ensinamentos e me proporcionaram um dia realizar o sonho que vislumbrei ao deixar a mesma.
    Parabéns Kimie!
    Muito obrigado por nos oferecer momentos de felicidades e nostalgia!
    Grande abraço

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