Abordagens
(para todas as Mauras do
Mundo)
Depois que publiquei a crônica intitulada “Os jovens, os
velhos”, percebi que o tema permite
várias abordagens diferentes. Minha abordagem foi sobre o tratamento
diferenciado que a sociedade oferece aos jovens e aos idosos. Os mesmos jovens
que um dia serão idosos...
Eu poderia ter comentado sobre os jovens que agem como velhos,
nunca tendo experimentado a juventude por serem duros, radicais e exigentes
demais. Ou sobre os velhos que nunca tiveram juízo e agem como adolescentes
inconsequentes, dando muitos aborrecimentos às famílias. Ou ainda, sobre velhos
que agem como velhos ranzinzas desde que foram crianças, e jovens que nunca
amadurecem... Honestamente percebi que, a primeira e a segunda abordagens são
as que mais ocorrem.
Em Consciência Negra abordei a inutilidade de um dia dedicado a
Zumbi, para acabar com o preconceito racial. Poderia ter defendido a ideia de
que uma data pode fazer toda a diferença.
Depois vi publicações denegrindo a imagem do Zumbi, que sucedeu
a Ganga Zumba, que formou um reduto em Quilombo dos Palmares, para acolher os
negros foragidos das senzalas e, aos índios perseguidos por capitães do mato...
Acredito que, o reverso dessa medalha de Zumbi foi criado pelos senhores dos
engenhos, que não aceitavam sua liderança para acolher os escravos fugitivos. É
preciso entender a verdadeira história para não distorcê-la. Zumbi era um
guerreiro, descendente de gente nobre da África e, não aceitava servidão por
causa da cor da pele, para si e nem para os seus. Houve excessos no Quilombo?
Sim, com certeza, pois não deve ter sido fácil controlar uma multidão faminta,
revoltada e sem renda. Ele conseguiu afrontar e bater de frente com os
escravagistas. Nesse sentido foi um herói africano, defendendo sua gente das
garras de gente branca, que se julgava superior e agia como carrascos. E a
História oficial do Brasil, aquela mesma História dos compêndios que ensinamos
na Escola, está cheia de incongruências e mentiras. Porque foi construída e
narrada pelos brancos que mandavam. Versão dos mandantes, sem nenhum respeito
para com os africanos. Mesmo agora, os mandantes do país distorcem as verdades
em benefício próprio. Sempre foi assim e sempre será, infelizmente. A História
oficial invariavelmente é contada pela perspectiva dos dominadores.
Quando eu trabalhava na Delegacia de Ensino em Andradina, havia
lá uma funcionária supercompetente chamada Maura. Era Diretora de Finanças da
Delegacia. Era uma mulher forte, bonita e totalmente negra. De branco só os
dentes perfeitos. Acho que era Professora de Física em alguma Escola.
Professora mui capaz! Um dia, a convidei para almoçar comigo num restaurante
local. E ela disse que não poderia ir comigo, porque sua irmã que morava na
África estava à espera para almoçar junto.
Interessada pelo assunto, lhe perguntei o que essa irmã fazia
num lugar tão distante. Era Irmã de Caridade e desenvolvia um trabalho social
lá. Então, lhe sugeri que procurassem as raízes da família lá na África, para
descobrir a procedência de seus pais e avós que vieram como escravos. E de
repente, ali na calçada em pleno meio dia, essa Maura desatou a chorar. Levei
um susto vendo aquele rosto querido devastado pelas lágrimas... Não entendi
nada... Fiquei perplexa.
Quando se acalmou, explicou que haviam tentado várias vezes essa
pesquisa. No Consulado... E descobriram que, o Governo brasileiro havia queimado
todos os documentos, para não deixar provas de escravidão no Brasil!!!
Então, ali na calçada de uma cidade próxima, em plena luz do dia,
vendo a dor da minha amiga, senti imensa vergonha da nossa História que, está
recheada de mentiras e traições contra o próprio povo de sua terra. Mentiras
que roubaram a verdadeira história dos africanos que aqui vieram forçados, para
serem subjugados e humilhados. Nem direito às próprias raízes, à própria história foi respeitado!
Mentiras dos coronéis, dos senhores de engenho, dos escravagistas, dos
políticos sem caráter e dos “sábios” que escreveram a nossa História...
Passagem triste e vergonhosa de nossa História.
E fico pasma de ver gente, que ainda não acordou para a
realidade de nossa História, e em pleno século XXI acredita em histórias de
carochinha. E divulga que o Zumbi foi um bandido... Puro resquício de
preconceito e discriminação racial. Espantoso! E dizem que não têm preconceito. Zumbi foi o herói dos africanos e continua sendo. Eternamente.
Vamos acordar, meus amigos!
Zumbi foi prepotente? Foi duro com os irmãos escravos que
procuravam a liberdade? Acredito que
deve ter sido! Mas, ele estava procurando um caminho livre para todos! Um caminho
de luz, de libertação. Liderar uma multidão revoltada, vilipendiada que não
queria se submeter a ninguém depois de anos de cativeiro, não deve ter sido
fácil. Ao invés de criticar Zumbi, seria mais honesto analisar a atuação dos
senhores escravagistas, que trataram os africanos como seres inferiores. Como
animais que não sentiam dor, mágoa, tristeza, banzo...
E aí seria mudar a abordagem para a verdadeira história de nossa
triste História.
Será que um dia isso acontecerá?
Maura...
Mirandópolis, novembro de 2017.
kimie oku in
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