sábado, 15 de junho de 2019


                 Família
       Muitas vezes me admiro de ter cumprido minha missão de professora, ao mesmo tempo em que constituia uma família.
       Não foi nada fácil. Era tudo na correria, no sufoco, sem nunca ter certeza de dar conta do recado. Os filhos é que foram mais sacrificados. Nunca consegui ser aquela mãe ideal, que cuida de tudo, da saúde, da alimentação, das compras, de ajuda nos deveres dos filhos...  Logo  no começo da vida de casada eu tinha dois bebês em casa, com apenas dois anos de diferença. O terceiro veio sete anos depois da segunda. E o esposo também ficava mais ou menos de escanteio, quando eu tinha reuniões e viagens inadiáveis...
       Nunca tive tempo para ficar vendo novelas nem noticiários. Quando muito eu ouvia as notícias mais relevantes. E sempre dependi de minhas irmãs pra cuidar dos pequenos quando ia à Faculdade e de auxiliares na cozinha, na lavagem de roupa, na limpeza de casa. Nesse aspecto fui privilegiada. Tive irmãs e ajudantes excelentes, inclusive uma delas quase assumiu o papel de mãe de um dos meus filhos. Materialmente nunca faltou nada para eles. E a atenção do pai que estava sempre presente supriu as minhas falhas. Meu esposo trabalhava no Banco, tinha um horário fixo que garantia a ordem e o ritmo da família.
       Há quarenta, cinquenta anos os tempos eram outros. As crianças se desenvolviam soltas em companhia de meninos da vizinhança. Não havia celulares e nem drogas, que viriam destruir as estruturas familiares. Os meninos inocentes se juntavam na minha rua, a São João e brincavam de skate, de bola, de burquinha... Todos os dias havia de oito a doze garotos, todos saudáveis correndo pra lá e pra cá. Um dia voltei do trabalho de Andradina, e saí à procura do menor de casa. Ele estava na casa de uma vizinha com outros garotos, todo sujo e empoeirado. Olhei pra ele e lhe disse: “Que sujeira é essa?” E ele me deu a resposta que me cortou o coração: “Mãe, olha o seu menor abandonado!” O garoto tinha uns dez anos apenas. E nunca mais esqueci essa frase... Mãe ausente.
       Havia grande vantagem de se morar nessa rua. Ninguém tinha trancas nos portões, todos entravam e saiam o dia todo, sem pedir licença e a conversa saudável rolava o dia todo. Iam todos juntos à Escola, comentavam sobre as aulas, falavam mal de alguns professores e riam muito das armações que aprontavam. E as festas de aniversário eram umas atrás de outras. Quase todo mês havia uma. E nessas festas juntavam-se as meninas também e alguns familiares.
       Meu objetivo na vida foi sempre crescer profissionalmente e de concurso em concurso consegui vencer as etapas. O primeiro concurso me efetivou no Cargo de Professora Primária em 1964. Em 1976 me tornei Assistente de Direção em Amandaba. Após prestar outro Concurso, me tornei Coordenadora Pedagógica, e atuei nessa função por treze anos na Escola Ebe Aurora. Depois prestei o Concurso de Supervisor de Ensino por duas vezes, e terminei a carreira nessa função em Andradina, em 1992. Trabalhei na área da Educação do Estado desde 1961 até fevereiro de 1992, quase 31 anos. E acredito que fui uma profissional cumpridora das obrigações. Como prova da relevância de nosso trabalho, tenho a lembrança triste do Bairro Nossa Senhora de Fátima, que era a área mais pobre da cidade. A vida era difícil e dolorosa para muitos pais, que trabalhavam na lavoura, no corte de cana e moravam em taperas, que mal comportavam a família. Mas, a Escola fez uma grande diferença. As crianças mal nutridas passaram a receber a merenda escolar e os pais compareciam às Reuniões de Pais e Mestres quase na totalidade. A equipe de Professores era engajada, orientava os pais a observar melhor os filhos, a interação era muito boa. E pouco  a pouco o Bairro foi mudando, os meninos faziam pequenos serviços no comércio e a vida de todos mudou radicalmente. Hoje o Bairro é de classe média e todos os moradores levam uma vida pacata, sem problemas. É bem verdade que tudo isso se deve ao duro trabalho dos pais, mas a Escola Ebe Aurora teve uma grande participação nisso.  Disso tenho muito orgulho.
        Não tem jeito, acabo voltando para o assunto escola.
       Voltando à família, já temos 52 anos de casamento estável. Tenho no meu esposo o melhor amigo, o melhor conselheiro e companheiro. Tivemos muitas crises nos anos jovens do casamento, mas hoje estamos em paz e vivemos um para o outro. Ele é uma pessoa que não gosta de reuniões sociais, então respeito isso e tudo bem. Mas não é controlador e respeita o meu espaço. Procuramos sempre ajudar os filhos, o genro e e neta, que são saudáveis e vivem bem. Nosso tempo está cada vez mais se reduzindo, porque já estamos chegando aos oitenta anos.
       Minha realização maior além da família e da escola foi a Ciranda. Há dez anos junto com alguns amigos inventamos um grupo que denominamos Ciranda. Seu objetivo é puramente filantrópico - servir aos idosos solitários, levando-os a se encontrarem com outros idosos esquecidos para vencer a solidão. Tivemos sucesso na empreitada e, uma vez por mês nos reunimos num barracão do Asilo local, e passamos a tarde toda conversando, rindo, dançando, cantando e brincando. Com música ao vivo e lanche para todos.
      Posso concluir essa minha narrativa registrando que os amigos foram fundamentais para me sentir realizada hoje. O que mais gosto de fazer hoje é tocar piano, ler e escrever. E já publiquei mais de seiscentas crônicas, que hoje atingiram a marca de 111.714 (cento e onze mil e setecentas e catorze visualizações).
     Finalizando só posso agradecer a Deus pela vida cheia de trabalho e estudo que tive,à família que amo acima de tudo e aos amigos fiéis, que me estimulam a escrever sempre.
      E um brinde à VIDA!
      Kampai!
      
     Mirandópolis, junho de 2019.
    kimieoku in
    http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/   



       

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