quarta-feira, 12 de junho de 2019


              Majupira
            (para Fauzer Mansano e Marcos Roberto dos Santos)

        Quando eu tinha doze anos de idade descobri a Biblioteca.
       Lá no Ginásio Estadual de Mirandópolis, que ficava na Rua hoje Avenida Dr. Raul da Cunha Bueno. Para mim, que amava os livros, foi a maior descoberta de uma menina inocente e caipira. Era a arca do tesouro!
       Fiquei tão encantada que li todos os livros de contos infantis. E um dia li um romance. Chamava-se Majupira. Gostei tanto do enredo que nunca mais esqueci o nome do livro. Como eu era uma menina alienada de tudo fiquei fascinada com o enredo do romance. E na crônica “ Biibliotecas” que publiquei recentemente, comentei que andei procurando esse livro em vão.
     E de repente fui presenteada com dois volumes desse livro, um deles pelo amigo advogado Fauzer Mansano, que o conseguiu num Sebo em São Paulo; o outro pelo Professor Marcos Roberto dos Santos que o achou num Sebo em Londrina, se não me falha a memória. Fiquei bastante emocionada pela gentileza dos amigos, que se lembraram de mim depois de lerem a crônica.
     Ambos os volumes foram editados pela Editora Saraiva em São Paulo em 1949, há setenta anos, exatamente no ano em que comecei a estudar. A tiragem foi de 40.000 exemplares, e deve ter feito sucesso na época. A autoria é do escritor J. B. Mello e Souza, que dentre outras obras, publicou livros de Gramática da Língua Portuguesa e de História do Brasil para os Cursos de Admissão ao Ginásio. Ambos os volumes em papel brochura estão amarelecidos pelo tempo, mas conservados integralmente. Não falta nenhuma folha.
       Logo que abri, percebi que as letras são minúsculas e fiquei admirada de eu ter lido um livro tão volumoso, quando era uma adolescente. Contém 334 páginas, fato que assustaria qualquer estudante hoje.
      Feliz pela atenção dos jovens que me presentearam com essas relíquias, me pus a ler.
     Marcos e Fauzer, fiquei abobada ao perceber que é um romance tipo água com açúcar nos moldes dos anos 40/50... Deve ser o retrato de uma época, que não volta mais... Tudo é meticulosamente narrado, com os pingos nos iiis e a leitura hoje pode ser considerada enfadonha. O enredo total poderia ser contado em vinte páginas apenas: "Uma professora de uma cidadezinha do interior paulista chamada Pequiri é idolatrada pelos alunos, que fundam um Clubinho de Escoteiros chamado Majupira. Esse nome foi tirado das iniciais de Maria Julia Pimentel Ramos, nome da mestra. E tudo gira em torno dessa jovem, que parece ser a própria Mulher Maravilha, pois além de ser ótima professora, é pianista, entende de enfermagem e resolve todos os problemas da comunidade num passe de mágica. E para dar um toque de romance, aparece um Doutor que se apaixona por ela e como um benfeitor caído do céu, ali se instala para trazer empregos para a comunidade. Ele é auxiliado por um garoto, o Pedro Luiz, que acaba transformado quase que num herói do lugar. O estranho é que o rapaz tem apenas 15/16 anos e tudo ele resolve. Ele protege a professora das maldades de um Inspetor Escolar, que ao visitar a escola tentou assediá-la. Ele investiga ações de pessoas que tentaram prejudicar a sua querida professora. Ele junta provas para inocentá-la de acusações maldosas do Inspetor. Ele tem poder para falar com o Juiz, que lhe autoriza a comunicar o resultado do julgamento da professora.
       Quando li o livro em 1954 tinha apenas doze anos e nunca havia lido um romance, por isso fiquei fascinada. Não tinha capacidade para discernir da veracidade da história, das incoerências de atos atribuídos a um menino... Atos que se me afiguram inverossímeis, posto que uma autoridade judicial  jamais encarregaria um adolescente de entregar documentos oficiais, a quem quer que fosse. Mesmo que fosse um rapaz muito inteligente, como ele é descrito. Porque seria irresponsabilidade do Juiz, no mínimo...
       Por outro lado, há o mérito de o autor ter descrito com detalhes o funcionamento da Linha férrea da Rede Sul Mineira e as paisagens serranas da divisa de São Paulo com Minas. Mas, a localização da cidade de Pequiri ficou  incerta em minha cabeça, porque de acordo com o Google é uma cidade mineira. E o autor a localiza perto de Lorena, Cruzeiro e Aparecida, cidades paulistas. Será que o autor se confundiu?
       Passados mais de sessenta anos, com os milhares de livros que andei devorando, meu conhecimento ficou um pouco mais apurado. E sei que um livro desses hoje em dia não teria a menor chance de sucesso. Nessa releitura, me lembrei dos livros de José de Alencar, que descrevia cenários com tantos detalhes, que a maioria dos leitores acabava se cansando. J.B. Mello e Souza segue o mesmo estilo, e deve ter agradado aos leitores da época, mas hoje com a pressa que caracteriza o nosso tempo, e com a leitura dinâmica que elimina os detalhes desnecessários, esse livro nem sairia das prateleiras de uma Biblioteca...
     Pra mim foi valiosíssima na época. E hoje foi excelente para perceber que os costumes mudam, que os estilos se apuram, que os gostos se modificam com a passagem do tempo.
    E quase tudo no enredo é inverossímil. A multifacetada professora, o garoto que parece um Superman, a solução de todos os problemas com a ajuda de autoridades tendo como intermediário um garoto de apenas 15 anos... Acho que foi apenas um sonho que teve o autor. Os leitores mudam,a análise fica mais exigente e o encanto se vai. O tempo passa e as mudanças são inexoráveis.
      Majupira é um retrato de uma época.
      Ao Fauzer Mansano e ao Marcos Roberto dos Santos, minha gratidão por essa viagem ao passado e o reencontro com a criança inocente e pura que um dia fui.
     
      Mirandópolis, junho de 2019.
      kimieoku in
      http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


      

3 comentários:

  1. Boa tarde, Kimi-pira!
    O autor do Majupira nasceu em Queluz, que é uma cidade mais próxima do Estado do Rio de Janeiro, onde ele faleceu.
    J.B. é o irmão m,ais velho do Malba Tahan ( Julio Cesar de Melo e Souza ).
    A cidade que você deve ter visto nas Minas Gerais é PEQUERI e fica a uns 60 quilômetros de Juiz de Fora.
    Pode ser que havia, em sua época ( o cara nasceu em 1888 ), uma corrutela de nome PIQUIRI que depois mudou de nome quando tornou-se município ( quem sabe, né ).
    Beijo!

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  2. Malba Tahan! Li tudo que ele escreveu. Era um calculador incrível... Fiquei encucada com a cidadezinha que não aparece no mapa. Pode ser que tenha mesmo mudado de nome, Ulisses.

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  3. Muito obrigado, querida Dona Kimie pela crônica acima. Para mim, foi um honra poder servi-la. De fato, encontrei o livro em Londrina. Sua memória é muito prodigiosa. Beijo, querida.

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