Majupira
(para Fauzer Mansano e Marcos Roberto
dos Santos)
Quando eu tinha doze anos de idade
descobri a Biblioteca.
Lá no Ginásio Estadual de Mirandópolis,
que ficava na Rua hoje Avenida Dr. Raul da Cunha Bueno. Para mim, que amava os
livros, foi a maior descoberta de uma menina inocente e caipira. Era a arca do
tesouro!
Fiquei tão encantada que li todos os
livros de contos infantis. E um dia li um romance. Chamava-se Majupira. Gostei
tanto do enredo que nunca mais esqueci o nome do livro. Como eu era uma menina alienada de tudo
fiquei fascinada com o enredo do romance. E na crônica “ Biibliotecas” que
publiquei recentemente, comentei que andei procurando esse livro em vão.
E de repente fui presenteada com dois
volumes desse livro, um deles pelo amigo advogado Fauzer Mansano, que o
conseguiu num Sebo em São Paulo; o outro pelo Professor Marcos Roberto dos
Santos que o achou num Sebo em Londrina, se não me falha a memória. Fiquei bastante emocionada pela gentileza
dos amigos, que se lembraram de mim depois de lerem a crônica.
Ambos os volumes foram editados pela
Editora Saraiva em São Paulo em 1949, há setenta anos, exatamente no ano em que comecei a
estudar. A tiragem foi de 40.000 exemplares, e deve ter feito sucesso na época. A autoria é do escritor J. B. Mello e
Souza, que dentre outras obras, publicou livros de Gramática da Língua
Portuguesa e de História do Brasil para os Cursos de Admissão ao Ginásio. Ambos os volumes em papel brochura estão
amarelecidos pelo tempo, mas conservados integralmente. Não falta nenhuma
folha.
Logo que abri, percebi que as letras são
minúsculas e fiquei admirada de eu ter lido um livro tão volumoso, quando era uma
adolescente. Contém 334 páginas, fato que assustaria qualquer estudante hoje.
Feliz pela atenção dos jovens que me
presentearam com essas relíquias, me pus a ler.
Marcos e Fauzer, fiquei abobada ao perceber que é
um romance tipo água com açúcar nos moldes dos anos 40/50... Deve ser o retrato
de uma época, que não volta mais... Tudo é meticulosamente narrado, com os
pingos nos iiis e a leitura hoje pode ser considerada enfadonha. O enredo total
poderia ser contado em vinte páginas apenas: "Uma professora de uma cidadezinha
do interior paulista chamada Pequiri é idolatrada pelos alunos, que fundam um Clubinho
de Escoteiros chamado Majupira. Esse nome foi tirado das iniciais de Maria
Julia Pimentel Ramos, nome da mestra. E tudo gira em torno dessa jovem, que
parece ser a própria Mulher Maravilha, pois além de ser ótima professora, é
pianista, entende de enfermagem e resolve todos os problemas da comunidade num
passe de mágica. E para dar um toque de romance, aparece um Doutor que se
apaixona por ela e como um benfeitor caído do céu, ali se instala para trazer empregos para a comunidade. Ele é
auxiliado por um garoto, o Pedro Luiz, que acaba transformado quase que num
herói do lugar. O estranho é que o rapaz tem apenas 15/16 anos e tudo ele
resolve. Ele protege a professora das maldades de um Inspetor Escolar, que ao
visitar a escola tentou assediá-la. Ele investiga ações de pessoas que tentaram prejudicar a sua querida professora. Ele junta provas para inocentá-la de acusações
maldosas do Inspetor. Ele tem poder para falar com o Juiz, que lhe autoriza
a comunicar o resultado do julgamento da professora.
Quando li o livro em 1954 tinha apenas
doze anos e nunca havia lido um romance, por isso fiquei fascinada. Não tinha
capacidade para discernir da veracidade da história, das incoerências de atos atribuídos
a um menino... Atos que se me afiguram inverossímeis, posto que uma autoridade
judicial jamais encarregaria um
adolescente de entregar documentos oficiais, a quem quer que fosse. Mesmo que
fosse um rapaz muito inteligente, como ele é descrito. Porque seria
irresponsabilidade do Juiz, no mínimo...
Por outro lado, há o mérito de o autor
ter descrito com detalhes o funcionamento da Linha férrea da Rede Sul
Mineira e as paisagens serranas da divisa de São Paulo com Minas. Mas, a localização da cidade de Pequiri ficou incerta em minha cabeça, porque de acordo com o Google é uma cidade mineira. E o autor a localiza perto de Lorena, Cruzeiro e Aparecida, cidades paulistas. Será que o autor se confundiu?
Passados mais de sessenta anos, com os
milhares de livros que andei devorando, meu conhecimento ficou um pouco mais
apurado. E sei que um livro desses hoje em dia não teria a menor chance de sucesso. Nessa releitura, me lembrei dos livros de José de Alencar,
que descrevia cenários com tantos detalhes, que a maioria dos leitores acabava
se cansando. J.B. Mello e Souza segue o mesmo estilo, e deve ter agradado aos leitores
da época, mas hoje com a pressa que caracteriza o nosso tempo, e com a leitura dinâmica
que elimina os detalhes desnecessários, esse livro nem sairia das prateleiras
de uma Biblioteca...
Pra mim foi valiosíssima na época. E hoje
foi excelente para perceber que os costumes mudam, que os estilos se apuram,
que os gostos se modificam com a passagem do tempo.
E quase tudo no enredo é inverossímil. A multifacetada professora, o garoto que parece um Superman, a solução de todos os problemas com a ajuda de autoridades tendo como intermediário um garoto de apenas 15 anos... Acho que foi apenas um sonho que teve o autor. Os leitores mudam,a análise fica mais exigente e o encanto se vai. O tempo passa e as mudanças são inexoráveis.
Majupira é um retrato de uma época.
Ao Fauzer Mansano e ao Marcos Roberto dos Santos, minha gratidão por essa viagem ao passado e o reencontro com a criança inocente e pura que um dia fui.
Mirandópolis, junho de 2019.
kimieoku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
E quase tudo no enredo é inverossímil. A multifacetada professora, o garoto que parece um Superman, a solução de todos os problemas com a ajuda de autoridades tendo como intermediário um garoto de apenas 15 anos... Acho que foi apenas um sonho que teve o autor. Os leitores mudam,a análise fica mais exigente e o encanto se vai. O tempo passa e as mudanças são inexoráveis.
Majupira é um retrato de uma época.
Ao Fauzer Mansano e ao Marcos Roberto dos Santos, minha gratidão por essa viagem ao passado e o reencontro com a criança inocente e pura que um dia fui.
Mirandópolis, junho de 2019.
kimieoku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Boa tarde, Kimi-pira!
ResponderExcluirO autor do Majupira nasceu em Queluz, que é uma cidade mais próxima do Estado do Rio de Janeiro, onde ele faleceu.
J.B. é o irmão m,ais velho do Malba Tahan ( Julio Cesar de Melo e Souza ).
A cidade que você deve ter visto nas Minas Gerais é PEQUERI e fica a uns 60 quilômetros de Juiz de Fora.
Pode ser que havia, em sua época ( o cara nasceu em 1888 ), uma corrutela de nome PIQUIRI que depois mudou de nome quando tornou-se município ( quem sabe, né ).
Beijo!
Malba Tahan! Li tudo que ele escreveu. Era um calculador incrível... Fiquei encucada com a cidadezinha que não aparece no mapa. Pode ser que tenha mesmo mudado de nome, Ulisses.
ResponderExcluirMuito obrigado, querida Dona Kimie pela crônica acima. Para mim, foi um honra poder servi-la. De fato, encontrei o livro em Londrina. Sua memória é muito prodigiosa. Beijo, querida.
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