segunda-feira, 3 de junho de 2019


               Ebe Aurora
Em 1976 prestei o Concurso de Coordenador Pedagógico e fui aprovada. Mesmo tendo me removido para o CENE como Professora Primária, fui trabalhar na Escola “Professora Ebe Aurora Fernandes Marcos" graças à solicitação do Diretor Aristides Florindo. Era a Escola mais pobre do município. Minha função era orientar os Professores em suas dificuldades para ensinar. Fiquei treze anos nessa escola, e aprendi muito com os colegas de trabalho. Especialmente com o Yussuf Hsain Alaby que era o Assistente de Direção. Yussuf era a bondade em pessoa, tanto que os amigos o apelidaram de "Jeremias, o Bom", que era um personagem gentilíssimo numa tira que o Henfil publicava na Folha toda semana.
Como a Escola era a sede das Escolas rurais do Município, acumulei  a função de orientar os professores das rurais também. Conheci tanta gente abnegada como a Lucília Scatena Franco, a Isabel Leal de Carvalho, a Graciosa Miloch, aEncarnação Guerra Batista, o Ademar Bispo, a Stella Marisa Nathan, a Ester Pandin, a Áurea Orciolli Cozin, o Domingos Forte, a Amélia Michetti, a Inocência e tantos outros... E na Unidade atuavam a Floripes Forte, a Yoshimi Miyamoto, a Dimar Martin Menegazzi, a Maria Aparecida Ortega Sanches, o Luiz Lopes Gomes, a Mafalda, a Ercília, a Sílvia e tantos outros... Trabalhei muito com o Ciclo Básico, que abrangia as duas primeiras séries de alfabetização. E a Secretaria começou a mandar material pedagógico para ajudar no processo aprendizagem. Difícil era fazer alguns professores mudarem os velhos hábitos de cópia e leitura da Cartilha. Ninguém sabia trabalhar com material concreto. A  Secretaria da Educação enviou alfabetos coloridos de plástico para as crianças manusearem e formarem palavras conhecidas... Mas, a dificuldade era ainda convencer os professores alfabetizadores a se libertarem da Cartilha. Muitos professores ficaram desnorteados e se perderam nesse processo. Mais difícil era para os professores das rurais, que davam aulas para duas ou três séries em apenas quatro horas. Não acreditavam na Teoria da Construção do Conhecimento da Emília Ferreiro... Inovar sempre é difícil. 
Todas as semanas havia o Culto à Bandeira e os professores se esmeravam nos cânticos e poesias para os alunos apresentarem. Os alunos de 5ª e 8ª séries eram tranquilos e quase não havia indisciplina. O Yussuf cuidava deles com firmeza e bons conselhos. Gostei demais de trabalhar lá. Um dia, apareceu um Professor de Geografia, o Santo Crevelaro Neto que era uma sumidade em História e Geografia. Levou os alunos do Colegial do CENE para uma viagem às Cidades Históricas de Minas. Como convidada, acompanhei a turma e foi uma viagem fantástica. Ouro Preto, Mariana, Congonhas do Campo, Tiradentes e São João Del Rei, onde conhecemos dona Risoleta Neves.
     Uma noite perto das 23 horas, ouvimos uma gargalhada de uma classe inteira e o pessoal administrativo  se perguntou: "Quem é o Professor que, às 23 horas  em plena sexta feira consegue fazer a moçada dar essa gargalhada?"  Eu disse: "Só pode ser o Gabriel!"  Era.  E havia um Circo bem em frente à escola! Ele usava fatos do dia a dia para animar os jovens a estudar. E exemplificava dizendo "Vocês são heróis, estão aqui, construindo seu futuro ao invés de estarem lá no circo aplaudindo os palhaços...!"
   Todos os Professores eram circulantes, porque andavam de Escola em Escola para dar suas aulas. No CENE, no Edgar, no Hélio Faria, em Amandaba, em Lavínia, nas Alianças. E todo início de ano, a mim cabia organizar o Horário de Aulas desses Professores, que era um verdadeiro jogo de xadrez. Procurava na medida do possível atender ao pedido de todos, mas nem sempre era possível. Quando não era possível encaixar todos os pedidos, alguns professores ficavam com janelas, isto é  ficavam parados por uma aula ou duas, aguardando sua próxima aula. Alguns professores ficavam bravos, mas havia uns mais compreensíveis... 
     E para atender a todos, eu ficava madrugadas inteiras procurando encaixar as diversas aulas em vinte e cinco espaços, que constituíam as aulas da semana. O difícil era considerar as aulas que esses mesmos Professores tinham em outras Escolas. Se o Professor dava as duas primeiras aulas noutra escola, só poderia colocá-lo nas duas últimas no meu horário. Porque tinha que respeitar o tempo de uma hora/aula de  trânsito de Escola para Escola e de duas horas de trânsito de município a município... Era um verdadeiro quebra cabeças. E esquentei muito a moringa ano após ano, com a organização desse bendito horário de aulas da 5ª a 8ª séries. Montagem de horário de aulas sempre foi um grande desafio, mesmo porque eram oito classes, e cada professor só poderia dar oito aulas/dia, computando os períodos da manhã, tarde e noite, e das diferentes escolas onde lecionava... 
     Lá, trabalhei com a Leonor Felipini Rezeke, a Mary Áurea Rodrigues, a Vilma Avanço, o Gabriel Tarcizzo Carbello, a Nélsia Fava, o Hamilton Luiz Rodrigues, o Santo Crevelaro Neto, o Luiz Roberto Marcos Pintenho e mais outros Professores de 5ª a 8ª séries... Equipe de valor que, junto com os Professores de 1ª a 4ª séries tornou a vida bem melhor, para muitas gerações do Bairro Nossa Sra. de Fátima.
    Pouco a pouco, o Governo concedeu benefícios aos Professores. De repente, todos os Professores tinham direito às Horas/Atividades pagas para preparar aulas na Escola, corrigir provas, pesquisar na Biblioteca... Antes, os professores executavam essas tarefas em casa sem nenhuma remuneração. Sempre fiz isso e nunca fui remunerada enquanto docente de sala de aulas. E também o Governo passou a compensar os Professores que atuavam à noite com a Gratificação do Trabalho Noturno. Sempre era uma pequena gratificação, mas mesmo assim bem recebida pelos profissionais.
     Trabalhei longos anos na Escola Ebe Aurora, e fui muito feliz lá. O Diretor Aristides Florindo sempre me deu total apoio nas atividades pedagógicas e, acredito que só não consegui fazer mais por minha limitação. Mesmo assim, tenho consciência de ter tentado.
    "A criança só aprende de fato quando ela própria constrói seu conhecimento."  (Emília Ferreiro, Psicóloga e Pedagoga argentina, que formulou sua Teoria baseada nas pesquisas de Jean Piaget)

          Mirandópolis, junho de 2019.
       kimieoku in
       http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

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