Bon
Odori
Há muitos e muitos séculos, existiu um Monge budista na Índia, chamado
Mokuren que tinha um poder extraordinário. Ele possuía uma visão transcendental
e podia ver o que acontecia em qualquer dimensão.
Quando sua bondosa mãe faleceu acreditava que ela estaria no Nirvana,
junto de Buda. E se concentrou para visitá-la e confirmar sua suposição. Mas...
qual não foi sua surpresa ao constatar que ela estava no Mundo dos Gakidos, ou
Demônios famintos...
Desolado ao ver a mãe nessa condição, resolveu levar comida para ela.
Mas, tudo que ela tentava consumir se transformava em fogo e lhe queimava a
boca... Mokuren se retirou e orou
bastante para o Buda aliviar o sofrimento de sua querida genitora. Então, o
Buda lhe disse para recolher todos os Monges do Mosteiro no dia 15 de julho e
os mantivesse enclausurados o dia todo, sem sair para não pisar nos insetos e
nas flores. Um dia inteiro sem pisar nos insetos e nas flores... Buda amava
demais a natureza...
Mokuren convidou os parceiros para prestar uma homenagem a sua mãe e fez
tanta comida, que os manteve ocupados em comer e descansar o dia todo. Ninguém
se lembrou de sair do Mosteiro.
Quando o dia terminou, sua mãe apareceu tão linda e luminosa como um
chochin (lanterna japonesa usada nas festas) flutuando leve e feliz...
Encantado, Mokuren a seguiu e começou a dançar de felicidade. Os monges também
fizeram uma grande roda e saíram dançando felizes... Foi assim que surgiu o Bon
Odori, ou a Dança para os Mortos.
De acordo com os
preceitos budistas, os espíritos dos mortos têm três dias para revisitar os
vivos. É o Obon, que significa o Dia dos Finados, dos Mortos. No Japão, é
comemorado em agosto. Nesses dias as famílias retornam aos vilarejos, e fazem
uma romaria aos túmulos da família levando flores, incensos e comida para os
antepassados ali enterrados. A comida tem um significado doloroso: É um consolo
espiritual para aqueles que morreram de fome em épocas de guerra e pós guerra...
Além dessa romaria, os
familiares se visitam para rever parentes que ficaram morando na terra natal. É
época de recordar o tempo passado, de relembrar os membros que já partiram, de
lhes prestar uma homenagem com uma celebração religiosa e jantares em família.
No terceiro dia, antes
que os espíritos retornem ao seu mundo espiritual, realiza-se uma grande dança.
É o Bon Odori, que tem a finalidade de saudar os antepassados que já partiram
para o paraíso. E ao anoitecer, todos se juntam à beira de rios e riachos para
lançar uns barquinhos de papel com velas acesas. A intenção é iluminar o
caminho de volta dos espíritos. Assim é em algumas partes do Japão, até hoje.
O Bon Odori já faz
parte do calendário festivo de todas as cidades, onde ainda residem alguns
remanescentes dos imigrantes japoneses, que para cá vieram há mais de um
século.
Aqui é cultivado como
uma festa pagã e faz a alegria de muita gente, descendentes de japoneses, ou
não.
Daquela lenda do Monge
Mokuren, ainda estão preservados alguns costumes: a imensa roda de pessoas
dançando ao som de taikô e shakuhachi, os happi, os chochin coloridos e a
comida típica japonesa. A comida se
compõe de udon quentinho, que é uma deliciosa sopa especial com macarrão
branco, sushi e doces... Só que não tem
mais a conotação religiosa que tem no Japão. É uma festa simplesmente.
A música que repete
sempre Yaren soran, soran, hai, hai
provoca uma reação interessante. Parece que as pessoas estão realmente
perguntando onde estão os arenques que os pescadores buscam... Mas, todos
dançam ao som desse Soran Bushi sem saberem o significado da música, da dança,
dos gestos... Importa é dançar, e se divertir.
Mesmo os nikkeis não
sabem o significado do Obon odori. Menos ainda os brasileiros, pois é encarado
mais como uma grande festa de origem japonesa.
Acredito que, se
Mokuren pudesse retornar à Terra e visse o nosso Obon odori, ficaria encantado
de ver a diversidade de pessoas, de ver as mudanças do significado dessa
celebração, de ver como uma dança sua se tornou universal.
E viva o Bom Odori!
Eternamente!
Mirandópolis, julho de
2017.
kimie oku in
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