Ongaeshi
Ongaeshi é uma palavra
de suma importância para os antigos japoneses. Ela é composta de duas palavras:
ON que significa favor, ajuda, gentileza; e GAESHI ou KAESHI que significa
devolução, pagamento, reconhecimento. Significa reconhecer o favor recebido e
fazer algo em troca. E se não puder, pelo menos ser grato para sempre.
Não sei se
ainda esse costume é válido hoje no Japão, mas foi bastante cultivado entre os
imigrantes que vieram de lá para cá. Um favor recebido jamais deveria ser esquecido,
E a pessoa que ajudava a outra era chamada de Onjin ou Benfeitor.
Os primeiros
imigrantes que vieram se radicar aqui no Brasil a partir de 1908 sofreram
muito, porque além de virem para uma terra estranha, sem conhecer ninguém, sem
entender o Português, foram mandados para lugares distantes, cercados de mata
virgem, cheia de onças e outros bichos perigosos. Tiveram que derrubar árvores seculares para plantarem o café, que era a base da economia da época. E
para sobreviver se juntaram em colônias de japoneses e procuraram manter os
costumes orientais, como a fala, a Religião, a comida e as tradições. É
evidente que houve muito desentendimento com os brasileiros, por falta de
comunicação adequada. Com o passar do tempo, tudo foi se acomodando pouco a
pouco e acabou ocorrendo essa aculturação que hoje existe, que faz os anciãos
japoneses comerem uma boa feijoada e os brasileiros não dispensarem um bom
sashimi.
Um hábito muito
bonito que os japoneses trouxeram foi esse ongaeshi, que consiste em nunca
esquecer um favor recebido. A cultura ocidental trata isso como uma coisa trivial,
sem dar muito valor. Os japoneses não.
Aprendi desde
cedo que devemos ser gratos para sempre com as pessoas, que nos socorreram em
momentos difíceis. E assisti a uma cena que ficou marcada para sempre.
Na década de 50, um irmão meu estava se casando e havia uma pequena comemoração no terreiro
da nossa casa, que era num sítio distante da cidade. Japoneses amigos da
vizinhança e parentes presentes... De repente, apareceu um carro preto que era
a novidade da época, pois ninguém possuía carro. A festa parou e todo mundo
ficou intrigado com a súbita visita. Do carro alugado desceu uma família
inteira de japoneses. Quando papai reconheceu a família, foi logo recebê-los, e conduziu à barraca da festa, apresentando–os aos presentes. E então, o recém
chegado disse que soube, através de um programa japonês numa Emissora de Rádio
que, o filho de papai estava se casando, e que não poderia deixar de vir
cumprimentá-lo numa data tão especial. E chorando copiosamente, disse que devia
um favor imenso ao papai, que nunca poderia lhe pagar. E explicou que tempos
atrás esteve numa situação crítica, precisando ir embora de mudança com a
família para uma cidade distante, mas que não tinha como pagar um caminhão para
fazer isso. E o nosso pai que era tão pobre como ele, arrumou um caminhão
de um amigo e fez a mudança... E ao finalizar a fala, os dois amigos se
abraçaram e choraram e muitos dos presentes também se emocionaram. Eu era uma
adolescente, que mal entendia a língua japonesa, mas não sei porquê entendi
toda a cena, que ficou para sempre em minha memória. Daquele dia, só me lembro
desse fato.
Muitos anos depois ao estudar a língua de meus pais, descobri a palavra Ongaeshi e como num sonho voltei aquele sítio, àquela casa, àquela festa e revivi toda a cena... Os
protagonistas já estavam no céu, mas a lembrança ficara... Então, percebi a força dessa palavrinha ongaeshi - Jamais esquecer um favor recebido.
E, ao longo
desses anos como cronista, não me canso de repetir essa história, para que
todos aprendam a cultivar esse hábito, que é muito bonito.
Se todos nós
cultivássemos esse hábito de pagar a graça com outra graça, a vida seria uma
bênção, e não haveria tantos desentendimentos, tantas separações, tantas
tragédias.
E aí amigos, vamos adotar o Ongaeshi?
Mirandópolis, fevereiro de 2020.
kimie oku in
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