quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020


                Ongaeshi
     Ongaeshi é uma palavra de suma importância para os antigos japoneses. Ela é composta de duas palavras: ON que significa favor, ajuda, gentileza; e GAESHI ou KAESHI que significa devolução, pagamento, reconhecimento. Significa reconhecer o favor recebido e fazer algo em troca. E se não puder, pelo menos ser grato para sempre.
     Não sei se ainda esse costume é válido hoje no Japão, mas foi bastante cultivado entre os imigrantes que vieram de lá para cá. Um favor recebido jamais deveria ser esquecido, E a pessoa que ajudava a outra era chamada de Onjin ou Benfeitor.
     Os primeiros imigrantes que vieram se radicar aqui no Brasil a partir de 1908 sofreram muito, porque além de virem para uma terra estranha, sem conhecer ninguém, sem entender o Português, foram mandados para lugares distantes, cercados de mata virgem, cheia de onças e outros bichos perigosos. Tiveram que derrubar árvores seculares para plantarem o café, que era a base da economia da época. E para sobreviver se juntaram em colônias de japoneses e procuraram manter os costumes orientais, como a fala, a Religião, a comida e as tradições. É evidente que houve muito desentendimento com os brasileiros, por falta de comunicação adequada. Com o passar do tempo, tudo foi se acomodando pouco a pouco e acabou ocorrendo essa aculturação que hoje existe, que faz os anciãos japoneses comerem uma boa feijoada e os brasileiros não dispensarem um bom sashimi.
     Um hábito muito bonito que os japoneses trouxeram foi esse ongaeshi, que consiste em nunca esquecer um favor recebido. A cultura ocidental trata isso como uma coisa trivial, sem dar muito valor. Os japoneses não.
     Aprendi desde cedo que devemos ser gratos para sempre com as pessoas, que nos socorreram em momentos difíceis. E assisti a uma cena que ficou marcada para sempre.
     Na década de 50, um irmão meu estava se casando e havia uma pequena comemoração no terreiro da nossa casa, que era num sítio distante da cidade. Japoneses amigos da vizinhança e parentes presentes... De repente, apareceu um carro preto que era a novidade da época, pois ninguém possuía carro. A festa parou e todo mundo ficou intrigado com a súbita visita. Do carro alugado desceu uma família inteira de japoneses. Quando papai reconheceu a família, foi logo recebê-los, e conduziu à barraca da festa, apresentando–os aos presentes. E então, o recém chegado disse que soube, através de um programa japonês numa Emissora de Rádio que, o filho de papai estava se casando, e que não poderia deixar de vir cumprimentá-lo numa data tão especial. E chorando copiosamente, disse que devia um favor imenso ao papai, que nunca poderia lhe pagar. E explicou que tempos atrás esteve numa situação crítica, precisando ir embora de mudança com a família para uma cidade distante, mas que não tinha como pagar um caminhão para fazer isso. E o nosso pai que era tão pobre como ele, arrumou um caminhão de um amigo e fez a mudança... E ao finalizar a fala, os dois amigos se abraçaram e choraram e muitos dos presentes também se emocionaram. Eu era uma adolescente, que mal entendia a língua japonesa, mas não sei porquê entendi toda a cena, que ficou para sempre em minha memória. Daquele dia, só me lembro desse fato.
     Muitos anos depois ao estudar a língua de meus pais, descobri a palavra Ongaeshi e como num sonho voltei aquele sítio, àquela casa, àquela festa e revivi toda a cena... Os protagonistas já estavam no céu, mas a lembrança ficara... Então, percebi a força dessa palavrinha ongaeshi - Jamais esquecer um favor recebido.
     E, ao longo desses anos como cronista, não me canso de repetir essa história, para que todos aprendam a cultivar esse hábito, que é muito bonito.
     Se todos nós cultivássemos esse hábito de pagar a graça com outra graça, a vida seria uma bênção, e não haveria tantos desentendimentos, tantas separações, tantas tragédias.
E aí amigos, vamos adotar o Ongaeshi?

Mirandópolis, fevereiro de 2020.
kimie oku in

    

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