terça-feira, 22 de novembro de 2011

TIAU, BAKÁ !


Tiau, Baká!

Era uma ponta de rua.
Sem asfalto, com serviço precário de iluminação, água e esgoto.
Logo adiante terminava a cidade.
Havia a venda do sr. Bonadio, a Colchoaria do seu Domingos e a Ferraria do sr. Yomassa. O resto era só casas de moradia.
Morávamos na travessa Júlio Prestes. Havia umas cinco, seis famílias. Gente simples, pelejando para sobreviver.
Na rua de terra sem calçada, o sol era presença constante.
Às vezes, passava uma carroça vendendo verduras. Às vezes, passava um caminhão levantando poeira. De manhã à tarde se ouvia a voz de dona Maria
“- Sírvia ! Sirvia !"
Sílvia era a filha adolescente, magrinha, alta, tão cheia de vida, que não parava quieta. Desde que despertava, ela percorria o trecho falando com os vizinhos, para saber das novidades, e aprontar algumas com as amigas.
Sentava-se no chão mesmo e conversava com todo mundo, rindo e falando alto.
Quando via alguém de minha família, ia logo gritando:
"-Ó baká!"
Baká é uma abreviatura da palavra bakayarô, ou bakatarê, que em japonês significa bobo/boba.
Foi a única expressão que aprendeu em nosso convívio, e que ela usava como um troféu, para lançar a mim e a meus irmãos, onde quer que nos encontrasse.
Mesmo depois de adulta, ela sempre nos tratou assim, com carinho. Do outro lado da rua ao nos ver, ela lançava "- Ó baká!" E era só risada.
Na verdade, nós a designávamos de Repórter Esso, porque ela sabia de tudo.
Repórter Esso era o noticiário mais famoso de rádio da época.
Televisão nem existia.
Ela não se importava de ser assim chamada. Só dobrava o corpo para frente no meio da rua, e dava sonoras gargalhadas.
Até hoje, ouço essa risada feliz.
Para mim, ela era a personificação da boneca Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato.
Era bonita, sem nenhuma vaidade, alegre, barulhenta, curiosa. Cheia de vida, tal qual a boneca.
Era a alegria da rua.
Sílvia, você foi um belo raio de sol luminoso e incandescente, que irradiou alegria para todos os lados.
E plagiando você mesma despeço-me com saudade:
"-Tiau, baká !"
Mirandópolis, janeiro de 2011.
kimie oku 

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