domingo, 13 de novembro de 2011

GENTE DE FIBRA - VALDEVINO E. DE SOUZA




O destaque de hoje é um artista, professor de música. É um talento nato, que toca vários instrumentos de corda, sem nunca ter freqüentado uma escola de música.
É o Professor Valdevino Emídio de Souza, que nasceu em 1955, na Segunda Aliança, Distrito de Roteiro.
Seu destino traçado pelos pais era trabalhar na roça, pois eram lavradores que lidavam com café, algodão, arroz. Eram muito pobres e Valdevino era um dentre dez filhos.
Em 1968 mudaram-se para o km 70, na divisa do município de Lavínia.
68 foi o ano da revolução de jovens no mundo todo, e os Beatles faziam muito barulho com rock and roll. No Brasil, grupos como The Fevers, Renato e seus blue caps, e os Golden boys entraram na onda do rock. E cantavam as músicas de maior sucesso no estrangeiro, vertidas para o português.
O menino Valdevino, então com 13 anos de idade ouvia os rangidos das guitarras, através do rádio. E alguma coisa despertou em seu coração. E tomou uma resolução – ia comprar um violão. Tinha apenas 14 anos, quando comunicou isso ao pai. Este foi totalmente contra.
Naquela época, os bandos de jovens que viviam fazendo música eram chamados de vagabundos, que não gostavam de trabalhar. E o pai do menino, sistemático e conservador tinha a mesma opinião.
Como o pai não cedia, Valdevino tão criança ainda, fez uma proposta para ele: durante a semana trabalharia com a família, e nos domingos e feriados trabalharia de diarista, para os sitiantes vizinhos. 
O pai não concordou.
Então, ele usou uma estratégia, dizendo que não mais compraria um violão e sim um relógio. Com a anuência do pai, trabalhou muito e comprou um relógio de pulso. Mas, o sonho do violão estava bem guardado.
Um dia, conheceu um senhor que queria vender um violão. O garoto foi lá negociar e trocou o relógio pelo violão, ficando com uma dívida. O dono do violão ao ouvir o desejo do garoto, permitiu que a dívida fosse paga como pudesse.
O sonho se realizara, mas não podia levar o tão desejado objeto para casa. Então o escondeu na casa de parentes.
Agora precisava de alguém que lhe ensinasse a dedilhar o violão. E Deus colocou no seu caminho o sr. Sebastião Rosalino, o Neno, que participava de vários grupos, que tocavam música. Reuniam-se em um beco da cidade e ficavam fazendo som.
Como o Neno não possuía violão, Valdevino vinha do sítio, ia à casa dos primos, pegava o violão e se juntava ao grupo. E ficava só observando o Neno tocar.
 De madrugada, ao levar o violão de volta ao esconderijo, ia dedilhando suas cordas pelas ruas da cidade. Já era quase manhã quando chegava ao sítio, para dormir um pouquinho e enfrentar o batente na roça.
Mas essas noites passadas na boemia o enfraqueceram demais, e o pai descobriu o que estava acontecendo. Vencido pela persistência do filho, enfim aceitou o violão em casa. O inacreditável é que o pai sabia tocar e afinar violão.
Tempos depois, o jovem conheceu Umbelino Bispo dos Santos, que tocava vários instrumentos, e lhe ensinou a tocar violão. Umbelino, mais tarde se tornaria parente seu.
     Tocando todos os dias nas horas de folga, aprendeu a tocar guitarra também. E foi convidado para entrar no conjunto Fac Símile, que se compunha dos irmãos Nico e João,João Geraldo e Cléssio Borissi de Dracena. Valdevino entrou no lugar do Takashim, que havia deixado o grupo.
Nico, o saudoso Antonio Marcos da Silva era o Diretor do grupo. Era muito correto e responsável. Era o baixista do conjunto e escolhia o repertório para ensaiar e tocar nos bailes e shows.
O conjunto tocou muito em Votuporanga, Fernandópolis, Macedônia, Santa Albertina, Rubinéia, Cosmorama, em Mirandopolis e cidades vizinhas... O dinheiro era pouco, mas a felicidade de tocar e ser apreciado compensava tudo. Valdevino ficou dois anos no Fac.
Depois seguindo seu espírito aventureiro, acompanhou o Circo Argentino por várias cidades de Minas e Goiás. E com o Circo Nacional rodou outro tanto, por vários Estados do Brasil.
Na época tocava guitarra e, aprendeu sozinho as cinco afinações da viola. Muito didático, ele diz que o cavaquinho tem duas afinações e o violão tem afinação universal. O contrabaixo tem som mais grave e a guitarra mais agudo.
Quando tocava no Fac Símile, que marcou época na região, conheceu a doce senhorinha Maria aparecida de Oliveira, com quem se casou em 1985. Não foram agraciados por filhos.
Dona Cidinha lembra que se casou, e ficou muito sozinha, porque Valdevino e seu bando viajavam todos os finais de semana.
A ausência às vezes, se prolongava por 3, 4 dias, fazendo shows ou tocando em bailes. Como o Valdevino não parava em casa, não dava tempo nem para brigar.
Dona Cidinha sabe toda a teoria musical, e faz a tablatura de Violão para os alunos, mas não toca nem um instrumento. Ela é uma pessoa culta, que gosta muito de ler, e sente a frustração de ver o marido tão capaz, não ter freqüentado uma Escola de Música.
É que as necessidades e urgências da vida só lhe permitiram concluir o primeiro grau.
Em sua vida profissional deu aulas de violão no Conservatório Filomena Faria, e no Espaço da Música, em Mirandópolis.
Sua rotina diária desde 1998 é percorrer a cidade toda de bicicleta, com um violão nas costas, para dar aulas em domicílios.
Ensina viola, violão e cavaquinho, e tem muitos alunos. Há ex-alunos seus que se profissionalizaram no ramo.
Seu Valdevino tem no currículo 30 anos de treino diário. Toca João Gilberto, Vinicius, John Lennon, Caetano , Pixinguinha, Raul Seixas, Almir Sater, os Beatles... 
E me brindou tocando Sater  na Viola afinada no cebolão, e me demonstrou a diferença da viola afinada rio abaixo. 
É muito gratificante ouvi-lo cantar tocando.
Ele é um homem simples sem grandes ambições. É feliz porque seguiu seu sonho e faz o que gosta. Só lamenta a partida precoce do amigo Nico, de quem tem muitas saudades.
Mas, ainda tem mais um sonho. 
Gostaria de ensinar música para as crianças de famílias sem recursos. Gostaria que, todas as crianças tivessem a oportunidade de, como ele, viver no mundo da música. 
Porque como ele mesmo diz:  “Tocar e cantar alimenta como se fosse pão. Faz muito bem para a alma e também para o coração.”
Professor Valdevino é um homem feliz, porque perseguiu um sonho que parecia impossível, e conseguiu realizá-lo, Os obstáculos que enfrentou valorizaram ainda mais a vitória. E é muito feliz por estar fazendo exatamente o que mais gosta, produzir e ensinar música. E música de qualidade.
Toda a sua trajetória é uma lição de vida para todos os jovens. Qualquer pessoa que tenha uma meta, um objetivo bem definido poderá alcançá-lo. Basta que se empenhe de todas as formas e não desista jamais.
Professor Valdevino Emídio de Souza, artista, músico, poeta, homem de vontade inquebrantável, que se fez sozinho é gente de fibra 

Mirandópolis, outubro/2011.
Kimie Oku

        

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