terça-feira, 15 de novembro de 2011

KIZUNÁ



   Quando moramos por anos num determinado lugarejo ou cidade, acabamos, mesmo inconscientemente, estabelecendo domínios 
sobre os locais que mais frequentamos.
   A padaria, a farmácia, a mercearia, a igreja, a livraria, o bar, a praça, o mercado e até mesmo as ruas vão ao longo do tempo, se transformando em extensão de nossas casas. 
  Esses locais se tornam pontos de referência, onde  pisamos como chãos a nós pertences.  E é tão confortável saber que 
o médico estará sempre lá, que o merceeiro oferecerá frutas e verduras frescas, que haverá sempre uma mesa e uma cadeira no bar, para acolher o transeunte cansado, que as dores físicas poderão ser aliviadas logo, ali na farmácia.
   Imagino então, o que sentiram os habituais clientes que perderam um ponto , quando o sr. Ueno encerrou suas atividades, fechando o bar, que durante anos serviu a população, lá na esquina...
   E de repente, também eu levei um choque, 
quando a livraria que frequentava mudou de donos.
   Novos eram os donos, novas as mercadorias, outro o ambiente...
  É evidente que não tenho nada contra a mudança, nem contra os novos proprietários.
  "Kizuná" é um vocábulo japonês  que significa laço, relação, elo, ligação de afeto, bem querer. 
   O ideograma de kizuná  tem como radical 
o kanji linha, como se amarrasse os sentimentos para não rompê-los.
   Kizuná é um sentimento que desenvolvemos 
para com as pessoas, com quem temos afinidades, e com lugares que amamos.
   Todos nós temos vários e maravilhosos kizunás, porque isso tem a ver com a alma, a ponto de considerarmos sagrados os lugares onde passamos a infância, e a casa que pertenceu a nossos pais...são apenas lugares, mas que traduzem algo que só a gente é capaz de sentir..
   Há poucos meses, uma família que nos serviu no sítio  por muitos anos, nos deixou. Outra família ocupou a casa e assumiu o serviço.
   Mas, toda vez que vou lá, não consigo evitar   a sensação de que os novos moradores são invasores, estranhos no ninho.
      Quando a amiga Adelaide foi embora da cidade, eu me senti boicotada  vendo fechada a casa que frequentei 
durante muito tempo.
   Essa sensação de perda, de ter sido traída pela vida quando perdemos  lugares e pessoas, só sentimos por causa dos kizunás. 
   É bem verdade que os sentimentos não morrem com  a  distância nem com o tempo.
   Mas gente como eu, que já viveu mais de seis décadas, se torna egoísta, e não gosta de abrir mão de comodidade. 
  E nada é mais cômodo que ter amigos por perto,sempre à  mão.
   Daí a dolorosa sensação de perda.
  Mesmo assim, vale a pena passar por tudo isso, porque é nesses momentos que podemos avaliar o valor de uma amizade.
  Quando perdemos um kizuná, o círculo da existência vai se fechando,  porque um kizuná  não substitui outro.
   Por  isso é doloroso viver.
                                                 Mirandópolis, maio de 2011.                                                                 kimie Oku



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