quinta-feira, 24 de novembro de 2011

LITERATURA - CABOCLA VELHA

             

                                                             Cabocla velha
                                 
                            
         "Aquela ali, é uma cabocla velha. Aquela é a lavadeira do Rio Vermelho. Aquela é a mulher cozinheira.  Aquela ali é a mulher do povo.  Aquela ali é a mulher roceira.  A outra é a mulher da vida."
  
         De tanto ouvir o Milton Lima falar sobre Cora Coralina, resolvi ler tudo sobre ela. Mas, isso demanda tempo e tempo. E eu sou tão impaciente!
           Então decidi ler os "Poemas dos becos de Goiás e Estórias mais "  escritos por ela e  "Cora Coragem Cora Poesia" de sua filha Vicência Bretas Tahan.
       Descobri que a famosa poeta viveu de 1889 a 1985, quase chegando aos cem anos, muito bem atestados pelas fotografias, de rosto marcado de profundas rugas, prova inconteste de uma vida cheia de vicissitudes.
      Como o texto acima transcrito em que se refere a si mesma, ela foi cabocla velha,  lavadeira do Rio Vermelho, cozinheira, mulher do povo, mulher da vida  enfim.
        Esqueceu-se de acrescentar Mulher-poeta, que a tornou famosa.
       É muito difícil escrever sobre Cora Coralina, sem reproduzir pedaços de seus poemas. Tanto é que todos os famosos que lhe fizeram homenagens, referências, prefácios, não conseguiram escapar à tentação de reproduzir  partes de poemas, que por certo  tocaram sua sensibilidade. Até Drummond de Andrade destacou trechos maravilhosos num artigo, publicado no Jornal do Brasil, em 1980.
         Os poemas de Cora Coralina falam do casario, dos becos de Goiás, das águas do Rio Vermelho, das trepadeiras sobre muros esquecidos, sobre lavadeiras, sobre os costumes da época.  
       Falam da vida do campo, dos caboclos, dos carros de bois, de negros recém libertos .Têm cheiro de terra,  de leite jorrando das tetas de vacas, têm cheiro de estrume de gado,  de suor do trabalhador  cansado...
        Falam também da crueldade do ser humano, que na bisbilhotice do dia-a-dia em família, fere a sensibilidade de crianças... Feridas essas que tornam Cora forte, dura, batalhadora, frente aos desafios da vida.
       Cora publicou seu primeiro livro aos 70 anos de idade. Só frequentou a escola primária, mas os estudos superiores não lhe fizeram falta, porque ela escrevia movida pela sensibilidade, pura e simples.
      Teve uma vida dura de trabalho, de filhos uns após outros, viuvez e um eterno recomeçar para dar conta da família. Mas nunca esmoreceu.
     Andava de carroça, plantava algodão, roseiras, teve pensionatos, foi cozinheira, fez doces e ainda fazia campanhas para ajudar os desamparados.
         E escrevia crônicas, artigos e poemas.
      Há um poema do milho, que só quem morou na roça, saberia retratar tão fielmente estas cena:
         
     " Sou o canto festivo dos galos  na glória do dia que amanhece.
       Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta de seus ninhos.
      Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
      que me fizestes necessário e humilde.
     Sou o milho."

         Creio eu que, a mulher se identificava  com o milho, tão comum, tão útil...

       " Fui  o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
         Sou a broa grosseira  e modesta  do pequeno sitiante.
         Sou a farinha econômica do proletário.
         Sou a polenta do imigrante."

       O que encanta o leitor é a força  de sua palavra, sem esnobismo, tão verdadeira, tão pura. E tão franca, sem falsa modéstia. Como no epitáfio de sua autoria, que está no túmulo de Goiás: 

         "Não morre aquele
          que deixou na terra
          a melodia de seu cântico
          na música de seus versos."

            Cora Coralina, poeta maior de Goiás.
            Valeu !

          Mirandópolis, 25 de fevereiro de 2011
          kimie oku

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