terça-feira, 27 de dezembro de 2011


       crônica - INTOLERÂNCIA

  Li em alguma parte da Mitologia Grega sobre o leito de Procusto.
  Procusto era um terrível fora da lei, bandido mesmo, que se escondia nas matas da Grécia antiga.
  O que o diferenciava de outros facínoras, era a sua mania de atrair os cidadãos incautos, que por ali passassem a caminho de seus destinos.
 O bandido fingindo-se gentil hospedeiro, convidava as pessoas para partilharem de seu cantinho. Oferecia-lhes comida e abrigo. E mais, instava que usassem a sua própria cama. Essa cama era de ferro reforçado, feita na medida de seu corpo, nem mais, nem menos.
 Os viajantes cansados da jornada, e encantados pela inesperada atenção de um estranho, acediam ao convite.
 Se os visitantes eram maiores que a cama, o bandido lhes decepava as partes que sobravam. E se eram menores, ele os esticava para preencher a cama.
  Ninguém sobrevivia.
 Essa prática terrível já durava um bom tempo e ninguém conseguia pegar o malfeitor. Até que um dia, apareceu Teseu, vindo de Atenas, que prendeu Procusto de atravessado na cama. E lhe cortou as pernas e a cabeça, que nela não couberam.
  Fê-lo provar do próprio martírio que ele  infligira a tantos outros.
 Que lição podemos tirar dessa lenda?
 A Humanidade, especialmente a Igreja, a Santa Igreja Católica construiu ao longo de seu reinado, camas iguais de Procusto. Camas que, determinavam “em nome de Deus”, comportamentos sociais, políticos, religiosos, morais, afetivos e até familiares... e foi eliminando  as partes ou cristãos, que não se encaixavam. Lembrem-se das fogueiras nas praças públicas, onde milhares de pessoas foram queimadas vivas, a título de bruxaria, de possessão do demônio, só porque eram diferentes.
Lembrem-se  de centenas de milhares de nossos primeiros habitantes, que foram  exterminados porque não aderiram  à catequese dos Anchietas e Nóbregas, e demais jesuítas. E de  milhares de nativos em outras terras, que tiveram o mesmo fim, pela mesma razão.
 O reinado de terror de Procusto não passou.
 Muitas vezes, agimos como o bandido, estabelecendo padrões nossos de comportamento, e condenando os que  fogem deles.  Outras vezes, somos os viajantes que, caem nas armadilhas do politicamente correto, dos padrões da moda atual, dos padrões sagrados da religião.
 E tudo isso torna nossa vida pesada, um fardo duro para se levar.
 Às vezes, nosso intelecto cria aberrações, querendo chegar à perfeição – é como se quiséssemos encaixar um objeto quadrado numa forma esférica, ou vice-versa. Não encaixa, não serve. Descarta-se. E isso se faz muito na escola.
  Mas, o homem nasceu livre.
 Livre como as andorinhas, as borboletas e demais seres vivos.
 Livre para ser um sábio ou um ignorante.
 Livre para ser  Presidente ou Subalterno.
 Livre para ser Aluno ou Professor.
Livre para ser Paciente ou Médico.
Porque Presidente, Chefe, Diretor, Mestre, Doutor, Secretário, Ministro ...são meras palavras. Palavras inventadas para designar funções, frente ao grupo.
Ninguém com esses títulos tem aura divina, nem auréola de arcanjo.
Porque Divino só Deus.
Numa revoada de andorinhas não há Presidentes, nem Secretários, nem Ministros e nem Tesoureiros. E o grupo voa em perfeita harmonia, sem escalas sociais, que tudo isso é bobagem, babaquice.
Porque todos os pássaros, todos os grãos de trigo, todas as pedras dos caminhos cumprem sua função, sem nunca tentarem ser melhores , nem mais perfeitos que outros.
Então, pra quê camas de Procusto?

  Mirandópolis, novembro de 2010.
                kimie oku

            (kimieoku@hotmail.com)

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